"Não entrei na trilha dos saltimbancos por acaso, nem para ser um reles fazedor de graça. Eu queria consagrar a minha vida através de um imperioso apelo vocacional. Mas as pessoas, com suas receitas de sucesso, sem nenhum escrúpulo, sem nenhuma sensibilidade, vieram me falar de mil e um palhaços geniais. Tem um que comove multidões ao aprisionar um raio de sol pra levar pra casa...Tem um que faz balões de gás dançarem alegremente ao som de seu trompete...Tem um que ridicularizou um tirano, um assassino sanguinário que queria ser o senhor absoluto do mundo...Tem um comprido, de calça na canela, arcado para a frente devido ao pesado fardo da indignação contra a mecanização imposta ao homem moderno...Tem o magro sonso...E o gordo ingênuo e bravo...Tem os que dão piruetas, saltam, dão cambalhotas, levam bofetões...Tem os que tocam música clássica em garrafas vazias penduradas num varal...Tem outro... e outro... e outro...Tem aquele pobre palhaço louco que andava pelas igrejas jogando malabares diante das imagens da Santa Maria; esse, me disseram, morreu enforcado na cruz do Senhor Jesus Cristo, numa catedral gótica...Escutei humilde a história de cada um desses incríveis artistas que viajavam pelas vias da loucura. Saber desses palhaços...para mim, Bobo Plin, um palhacinho de merda que começava a engatinhar nos picadeiros mal iluminados das espeluncas...saber desses palhaços só serviu para me tolher. Quanto mais eu sabia deles, mais e mais Bobo Plin, o palhaço que eu queria ser, se enroscava nas minhas entranhas. A referência esmagava minha intuição e provocava auto-censura. A comparação, maldita inimiga da igualdade, fazia dos magníficos histriões elementos inibidores da minha criatividade. Agora, Bobo Plin não quer saber da façanha desses belos palhaços. Não quer vê-los. Nem quer saber de seus bigodes, sapatões, guizos, pompoms, bolas, balões e babados. A magia dos grandes artistas não pode ser ensinada; são segredos que se aprende com o coração. Essa magia se manifesta quando se resolve fazer a própria alma. Para Bobo Plin se irmanar com os grandes palhaços que luziram nos palcos e picadeiros tem que se esquecer deles para sempre. Não pode recolher nenhuma indicação deixada no caminho. Tem que andar sem bússola, na mais tenebrosa escuridão. Qualquer brilho, qualquer estrela, qualquer sol, qualquer referencial vira um ponto hipnótico embrutecedor. E eu quero fazer a minha alma."
Reflexões Teatrais - Plinio Marcos (... num pequeno circo)
Emocionante texto...muito. Parabéns.
ResponderExcluirBela filosofia zen.
ResponderExcluirComo um palhaço que sou, emocionado retribuo tal reflexão com versos de outros palhaços, palhaços sambistas:
ResponderExcluirÉ melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não
Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão
Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração
Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não
Feito essa gente que anda por aí
Brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!
A vida não é brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre uma mulher à sua espera
Com os olhos cheios de carinho
E as mãos cheias de perdão
Ponha um pouco de amor na sua vida
Como no seu samba
Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração
Eu, por exemplo, o capitão do mato
Vinicius de Moraes
Poeta e diplomata
O branco mais preto do Brasil
Na linha direta de Xangô, saravá!
A bênção, Senhora
A maior ialorixá da Bahia
Terra de Caymmi e João Gilberto
A bênção, Pixinguinha
Tu que choraste na flauta
Todas as minhas mágoas de amor
A bênção, Sinhô, a benção, Cartola
A bênção, Ismael Silva
Sua bênção, Heitor dos Prazeres
A bênção, Nelson Cavaquinho
A bênção, Geraldo Pereira
A bênção, meu bom Cyro Monteiro
Você, sobrinho de Nonô
A bênção, Noel, sua bênção, Ary
A bênção, todos os grandes
Sambistas do Brasil
Branco, preto, mulato
Lindo como a pele macia de Oxum
A bênção, maestro Antonio Carlos Jobim
Parceiro e amigo querido
Que já viajaste tantas canções comigo
E ainda há tantas por viajar
A bênção, Carlinhos Lyra
Parceiro cem por cento
Você que une a ação ao sentimento
E ao pensamento
A bênção, a bênção, Baden Powell
Amigo novo, parceiro novo
Que fizeste este samba comigo
A bênção, amigo
A bênção, maestro Moacir Santos
Não és um só, és tantos como
O meu Brasil de todos os santos
Inclusive meu São Sebastião
Saravá! A bênção, que eu vou partir
Eu vou ter que dizer adeus
Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração
Samba da Bênção
Vinicius de Moraes
Composição: Vinicius de Moraes / Baden Powell
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Atenciosamente, palhaço Pam Pam
Pam Pam, foi uma lembrança genial!!!!
ResponderExcluirQuanto ao texto de Plínio, eu que tive o prazer de conviver com esse ser humano brilhante, aprendi a buscar na minha essência aquilo de grandioso que eu queria fazer.
Pode sair pequenino, mas faz boa figura, hehehe.
Beijão aos palhaços de ontem, de hoje e do todo.